sábado, 28 de novembro de 2009

Pegando na palma, era quem nada pediu



Sempre podia ser igual era; às vezes igual ‘quando Ela’, semelhante a Ela, que caminhou e... Encaminhou: passou minha mão adiante mão agora distante , passou-a adiante no tempo, passou-a, bem diante de mim, à frente. E agora, de antes, esperou e, de repente, eis que sumiu: na areia, na água. Quando viu já não era mais ninguém, não era ela, era porta e trinco e tapete desconsiderado; negação repetida, a tinturaria da invenção desnecessária. Foi que vira: era sempre igualmente diferente do que era. Quando viu era igual ‘jamais não era’, quando viu, já não era mais ontem.







sábado, 14 de novembro de 2009

"nessa construção nova"



NUNCA HAVIA ME ALEGRADO TANTO pela fragmentação e pela necessidade e o fracasso de juntar, pois só o que recebia era segmentação inesperada e um novo resultado imediatamente pressuposto. Tal qual supor uma história inteira, ou como inesperar que um tempo nunca termine.


***

O meu resultado foi: interrupção seguida, disfemia aceitada e amor ao estranhamento recebido de um estranho próximo e maior. Amei humildemente seus dois olhos divertidos, que não me amavam e nem me queriam ver na totalidade. Senti-os, e os pressupus também, naquilo que eles pareciam jamais querer presenciar em cor e em grau, através das fortes lentes ensebadas, tão rentes a suas sobrancelhas tão inquisidoras, fatais.
Não importa o que queria se só se queria flagelação e autoflagelação em sua frente. Soube sobre e sob os dois, e a negação estava clara, desde muito. Como o não se perpetuando em meu corpo.

Como não perpetuado pela vida.

sábado, 17 de outubro de 2009

Pela entrada do que quis



O que precisa não é o peso dos olhos sobre, nem mesmo pensar sobre a voz contida. Houvesse um sinal que premeditasse a insinuação que surgiria de repente e então veria; veria como quem vê: “me insinua no que diz, porém insinua mais naquilo que não diz do que naquilo que se diz...”. Fosse quem fosse, olharia bem... Pois que muito em breve seria estranho falar sobre este passado de agora; difícil de afirmar: “está passando, tem sentido”, bem como um sentido desperdiçado em outra coisa, que fica longe...

...vai ter passado, trazendo a vontade de saber: não viverei mais por intermédio da ausência? caberei sempre mais na falta do que na presença? Está passando... logo vai terminar, ficando o incerto ao lado do desconhecido que afirma; — continuando uma mudez? — a coragem de aceitar a repetição na respiração, esquecendo e relembrando facilmente outra coisa pela pergunta “seria melhor se manter sem saber do bom e sem tomar conhecimento do ruim?”... O que seria não ter o que se quer; dizendo sem clareza, na inexatidão: ouço... ouço bem a voz; ouço-te daí, ouço comum a entrada que passa pelo que tanto quis.

sábado, 19 de setembro de 2009

Não esperava



Não esperava pergunta alguma. Não ansiava que perguntasse intensamente sobre nada, que cobrasse sobre alguma resposta difícil e íntima demais. Nem mesmo queria esperar por uma daquelas perguntas gostosas... Não queria, até que surpreendentemente a pergunta sem demora então viesse: ‘Quais são os seus planos para hoje?’... (Planos? planos?)
– seus – quais – amanhã – são – planos – para – hoje – sempre, de repente é um só eco; é uma goela densa, e uma preocupação. Úmida, cai lentamente mostrando uma expectativa ainda maior, por duas orelhas estranhas, agudas em uma relação diferente, sobre uma curiosidade que parece que vai demorar a morrer, mas que rapidamente pode — pela emoção, pela vergonha, pela lentidão em ser correspondida ou pelo quê? — Não, pois dependendo de quem vem, não é mais uma interrogação, mas sim uma bala, um projétil que trespassa a cabeça, atravessando o que foi feito e o que se quer e o que se poderia; o que se desejaria fazer rapidamente ou se passar meses inteiros tentando concluir, e que, depois de acabado, valesse tanto que voltasse futuramente pelos olhos de quem perguntou.”

sábado, 29 de agosto de 2009

Num único dia marrom



SÓ SEI QUE QUANDO DEI POR MIM, já estava pego. O dia me pegou e nem percebi; foi instantâneo, fugaz: o dia me pegou e só em seguida me peguei pegando o dia. Fui claro, foi breve; fui fácil, foi simples. Nosso contato se deu sobre a terra úmida; ainda sobre suas mãos macias e frutíferas que me deram o tom de sua profundidade escura; em seguida, a fosforescência clorofilada de que sempre ansiei brotar, ser feliz e lembrei-me da boca brilhosa da mulher que não queria amar nada que lhe fosse gratuito, e eu parecia querê-la como se tivesse escolhido o caminho tortuoso de falar na multidão estando nu. Descobri que a minha confusão era objeto de diversão; provia o divertimento resoluto através de mim! parecendo que faltou intensidade, que ali não caberia a verdade e amar a cor de um dia do qual nunca possuí totalmente, ter a cara de um único dia na certeza de que nunca o possuirei por completo. Sempre apenas em alternância, apenas a cada temporada isolada.

sábado, 8 de agosto de 2009

— a predisposição, o espaço,

Quis recostar a cabeça e fechar os olhos como se não tivesse culpa alguma no mundo. E manter de uma maneira fácil o que tanto era necessário manter. Em um salto grandioso que acontece, se percebe que não se pertence mais: não se é do homem, não se é do tempo, não se é das palavras sábias de ninguém. De um momento para o outro aparece a noção de que ontem, hoje e amanhã são na verdade uma pessoa que, em pé, teme se entregar, não conseguindo ser o que acha que é. (E só queria ser a respiração, o livre caminhar pela calçada, sem sonhar e sem saber, mas que entretanto se vê forçado a ser a cidade, que é feita de pedra da mesma maneira que o chão, rufando e recebendo). O que ainda pensaria ser, e o que ainda pensaria em ser, se lhe fosse apresentado, como novo e possível, um caminho breve que portasse o esquecimento, engolindo o que só se queria debaixo de chuva. Só não crendo no possível para não acreditar no que sentia. Contra a disposição e o cansaço de uma luta de quem nem mesmo lembra o que faz e por que faz, de tanto repetir “isso é preciso”. Quem sabe a ligação não devesse ser necessária nunca mais e o que se constituía em uma visão anterior fosse completamente solto e independente da visão que ainda viria; e não mais necessitasse de fins e nem de uma continuação, e a interrupção lhe passasse a ser definitivamente cultuada, como um ritual sagrado. Ficaria presumível sem poder deixar o branco, o espaço reservado, a lacuna... o espaço.

sábado, 1 de agosto de 2009

Se não se diz



Porque não 'se dizer alguma coisa' parece ser tão atraente quanto ao 'se dizer': onde então se ocultava a clareza de uma sinceridade?, ela que, buscada, se perdia na penumbra de uma esquina na rua da casa, às 19 horas numéricas de não condescendência com o que se diria. Pois se o dizer seria uma arte, o não dizer seria o quê? seria...

sábado, 11 de julho de 2009

Necessidade conspurcada

Ficou tarde — o que já estava feito apareceu; o que já não podia alterar se interpelou; desapareceu o ponto de partida — o início, o meio e o final — a necessidade de trabalhar conjuntamente com a percepção. O conhecimento ao cômico aparece: pequeno e brotando de alguma dificuldade — caminhando em direção ao sensual — à cabeça, uma luz dita pomposa e que transcende: vaga e sonolenta a idéia de que para que se possa pôr a vista sobre si, deva-se realmente rememorar o esquecimento do que lhe será atribuído, e reviver de onde encontrou um pedaço de seu “meu”. “Estar para dizer que se está” e “fazer para dizer o que se faz” passam a se tornar o grande medo — melhor seria a ausência de um lugar; o não-querer-pertencer, e ficar onde ficou o rabisco do que se disse fácil, simples... pouco, banal...

sábado, 27 de junho de 2009

...

(Stela) Nem Maria do Socorro nem seu Nelson — e até mesmo a Ana — deixavam-na passar pelo portão.


Numa sexta-feira sem sim descobriu que o não jamais seria pronunciado da maneira que poderia: parar sem se alongar e aguardar a vontade; mas a vontade vem quando pensa no fim; teve um fim e parou de se criar ou apenas se interrompeu por um instante — olhou para os lados e passou.

sábado, 13 de junho de 2009

Stela (um peso a menos)

Não seria preciso fingir estar só, para poderem estar juntos. Podia-se dizer que... sentariam frente a frente. Sentar-se-ia a sua frente — estar frente a frente com a boca que não sabe por que fala, com as orelhas que não sabem por que ouvem, e de costas ao rebusco interminável. Ficando pelo chão de um estado que não deve ser mencionado, porque se está longe da casa — e ela não queria ver ninguém lá, não queria olhar pro gás, nem pro corpo e nem pra cabeça deles, disse. Não querer ser como se é, é um desconhecimento. E se ser a si é uma grandiosidade, por que não querer ouvi-la? Por que não desejar estar ao lado?
(...)
Devia contentar-se apenas com a sombra, para que pudesse se satisfazer e ter em mente o que na verdade devia; o que, na realidade, lhe faltava. Deveria realmente ouvi-la, para que pudesse escapar. Ainda que o que se vê não tenha rosto, o que se vê, enfadonhamente, se repita, o medo e o sonho do desmanche tentarão desmentir a face dela, falando de feiúra e do tamanho que ela tinha. Se a botaram pra nascer, a culpa foi de quem? Se a encarnaram e a desencarnaram, reencarnaram e desencarnaram o que é que poderia ser feito, sem que lhe trouxessem a lembrança do estudo que a tornaram? Se, em um momento vago, se faz fácil encontrá-la, se faz necessário abordá-la, como quando se aborda alguém na rua, é porque a crença é pouca. O que se sente é o abraço de algum desconhecido que se encontra na calçada e, dessa maneira, se prossegue aceitando, com o braço do estranho no pescoço.
(...)
Não querer ver ninguém no mundo — é doença. É requerido um estudo detalhado. É necessário por a cabeça sobre a mesa e olhá-la com um só olho. Analisá-se a forma de uma mulher dessa maneira, pois querer viver comendo, bebendo e fumando — é natural. E é dito mais — é necessário para o prosseguimento de mais dias. Contudo, vida fácil — não nesse mundo. Não é como gosta. São todos expulsos de seus chãos; expulsos sobre as camas, ela disse que foi dito que lá não se podia ficar. Diferente da pergunta: para onde se vai quando se cai da cama estreita?, seria dito: é para onde se cai quando se vai da cama estreita.
(...)
Já estarão perto, aceitando um do outro o que não se queria e não temendo não fazer para agradar; recebendo mutuamente o presente que se perderia se assim não fosse.

sábado, 30 de maio de 2009

Resumo no gesto

O que aparentava ser era que sua vida inteira, sua existência, seu futuro, e até mesmo a sua morte, concentravam-se, num perfeito encaixe e com total exatidão, em um único gesto. Era como se necessitasse sentar frente a alguma grandiosidade que não tivesse sido erguida pela mão de homem algum, repetindo para si: “Pendo. O que sinto é que pendo feito um objeto na ponta do barbante”, oscilo para frente e para trás semelhante ao balanço das águas. Ajeitar o cabelo; levar o café ou o cigarro até a boca; passar a página lida; amparar um cachorro com sarna; salvar uma vida do fogo: renovar-se de uma maneira diferente cada vez que repetidos os mesmos movimentos — era mais do que isso. “Sou toda mesclada no todo”, parecia pensar a mulher, com seu olhar rente a alguma janela, sabendo que um todo pode ser constituído por partes que se puxam e se retraem. Pertencemos todos ao mesmo balanço, parecia querer dizer, porém sendo guiados por maquinistas diferentes em um único trem; avançamos e recuamos sem muita importância à falta de autonomia do gesto. Fazemos porque deve ser feito; por isso é que detestamos interferências; se segue assim porque não há um outro vagão; cambaleamos no aguardo; esperando o impacto com a parede erguida para se tapar a ausência de uma crença maior. A parede que antes tapava a causa de não poder levantar os olhos lentamente, olhar para o lado e dizer: “Acho que quero descer”, quase já não era vista. Era-lhe preciso criar um recuo; era-lhe preciso esperar; mas que se possível, que fosse numa rocha com musgo nas laterais, postada frente a alguma grandiosidade da terra, bem distante de qualquer estação.

sábado, 16 de maio de 2009

Incerteza sob o céu

Lembra-se frequentemente em momentos de distração, de uma coisa de grande importância; no intervalo de quando se pensa na maneira da qual se organizará as tarefas quando se chegar, como se porá em ordem os papéis, como se disporá os objetos sobre a prateleira: — mas afinal, quantas vezes ainda será possível que algo renasça e depois despenque, de tal maneira que a si próprio pareça não ter significado algum? A imagem que se tem é a imagem de um alguém que se joga da ponte, de costas e de braços abertos, mas que quando cai, cai no macio; cai feito cruz ou espada no florido macio do campo; o terreno fofo o ampara sentindo ter braços e, ainda por cima, o presenteia, colocando sobre seu corpo a fosforescência de um céu azul que se disse ser assim porque nunca fora visto da mesma maneira. Pode-se acenar para ele, ele diz, sem estranhamento e sem culpa, sem medo de se entregar ao desatino nos olhos distantes. Não... mas não era bem isso o que queria; a imagem talvez fosse outra, é que esqueceu como era. E quanto à coisa de muita importância?, onde ela fica? e o que vem depois do que se esquece, e se sorri com pasmo nos lábios?: “não se pode calcular o quanto de beleza ou o quanto de verdade pode ser carregada nas costas daquele que diz tornar as coisas mais fáceis através de uma imagem, retirando realces de um teto incolor, pra que não perceba, embaixo de seus pés, alguma substância perigosa, que exalaria um vapor tão nocivo, que o faria cair para trás”. Então é isso: o individuo não se jogou das alturas — apenas caiu para trás. O que parecia renascer naquele instante, não renasceu: mas caiu para trás.

sábado, 9 de maio de 2009

Vida nos bolsos

Que fazer diante de tudo que via além de friccionar os dedos no recanto secreto que se fez o bolso das calças, pra que não fizesse algo como erguer as mãos, unidas e abertas, diante do que jamais poderiam receber? — Atritam-se o indicador e o polegar então —, pois sem isso, a nudez seria sentida; como que sem roupas, acocorar-se-ia no chão. Não podem elas, as mãos, serem erguidas assim, de um momento para outro, diria alguém; pode haver uma entrega, com suor e confusão, da real percepção da discrepância entre o que havia e o que realmente poderiam sustentar. — Esfregam-se todos os dedos; ninguém os sabe e ninguém os viu. Atritam-se lentamente, quentes, protegendo tudo que desmoronaria de um momento para o outro, tão rápido quanto poderiam ser erguidos os braços na face daquele céu. A sustentação na transpiração! tão secretas e protegidas; as duas, unidas e abertas, impotentes diante do dia, esperando receber o que ninguém entenderia. É assim que poderiam desejar, realizando-se mais do que resguardando um objeto de valor? Ou acariciando a face da pessoa amada? Por um momento então param — porque as pessoas da fila podem apenas supor o que existe nos bolsos das calças alheias; podem apenas supor, entendendo que são um abrigo comum, sem saberem que na verdade resguardam, no tecido da sombra calorosa, de linho ou algodão — não pôde bem distinguir, talvez fosse um composto, ou 100% algodão apenas —, a verdadeira identidade daquilo que se sente; daquilo que se espera em pé, com os olhos bem abertos, denotando que são eles que deviam agarrar o que se via e que não estava ali.
Linho ou algodão; sem aquilo os pés podiam falhar, e, com o histerismo pela queda do corpo, as pessoas dali perguntariam, e diriam atônitas na ajuda: “como estão frias, as suas mãos!”, sem saberem o que falta, sem saberem o que se espera; sem saber o que se tem.

sábado, 18 de abril de 2009

Aquele ponto na cama

Sempre que o dia se inicia daquela maneira, é como se o simples ato de se erguer, de endireitar a coluna, de enfrentar o ar do ártico, que paira sobre o quente, que brota de uma profundeza, fosse uma tarefa dificultosa demais — não existe distinção entre a brutalidade e a preguiça; não existe esforço e resistência ao prazer do contato com o mais íntimo de si consigo mesmo, sabendo que suas próprias mãos, poderiam ser tidas como ferramentas de alívio ao frio e ao calor que se sente ali, reconditamente, e que se confundem na submersão, que guarda e protege todo e qualquer tipo de subversão. Não deveria ter pudor de se saber que às claras das cobertas, uma mente poderia ser temida — tudo como um tipo de vontade que se tem e que se teme; que se tem sem que exista a possibilidade de amenizá-la, e isso impossibilita uma ação de manhã, impossibilita um pulo instantâneo e repentino; impossibilita e imobiliza músculos e articulações, fazendo com que se cubra o rosto, se ponha algo macio sobre a cabeça, e que tudo convirja, silenciosamente, em um único ponto: o ponto da fraqueza no homem, o ponto de controle, o ponto que dispara até a ponta dos dedos a vergonha de se saber, de forma consciente, clara, como se a coberta houvesse sido realmente puxada e as cortinas abertas, de sua condição de animal, animal que, instintivamente, arde, treme, sente e deseja.

sábado, 4 de abril de 2009

O silêncio da boca

Seria um esforço muito grande para que suportasse a movimentação interna de todas aquelas coisas; como um ciclo interminável que lhe arrancava e lhe punha, novamente em seu corpo, seus órgãos internos mais importantes. Podia-se sentir, cruelmente, a perda e o ganho de uma respiração: — a vitalidade e o desaparecimento do sistema digestivo; uma pausa prolongada em qualquer palpitação, para em seguida, o seu retorno, até que novamente, a perca, e mais um pouco adiante o ganho — a perda e o ganho; a perda e o ganho; a perda e o ganho... até que não se pudesse mais repetir sentenças internas e aquele mundo findasse pelo tema desagradável de uma conversa entre pessoas desconhecidas; pessoas que falavam a respeito do que mesmo?... Pessoas que logo desapareceriam em sua instabilidade, dando lugar a outras novas, e que até dez minutos atrás eram desconhecidas também, e que em seguida se perderiam encobertas pelo assunto atual que facilmente as consumiria — porque aquelas pessoas todas são tão instáveis! — Estar em um grupo, em uma roda, que diz coisas a respeito das quais não se tem interesse, ou até mesmo não se entende, deveria ser assim: todos falam; todas as bocas da mesa se repetem e se espelham uma nas outras, todos os dentes se mostram reluzentes uns nos outros sob a luz repetitiva, a luz de um interesse auditivo; reflexo nos dentes — uns brancos, outros mais amarelos —, mas todos se escondendo e se mostrando com freqüência, todas se abrindo e se fechando como se quisessem se tocar, enquanto apenas uma se mantém fechada. Não haveria por que motivo se abrisse aquela boca, não se veria dentes que se mostrassem dentro dela — talvez não fossem dentes tão alvos —, mas como saber? Como saber daqueles dentes, formato e espessura? Como saber daquela língua algo que possuísse uma representação tão surpreendente que faria com que todas outras bocas se fechassem ou se abrissem ainda mais? Talvez fosse aquela uma boca temerosa, uma boca que temesse ser tocada, que temesse ter um dedo dentro dela. Uma boca que temesse ser grande demais, mas que no fundo desejasse sentir outra. Uma boca temerosa sabe que é facilmente encoberta por outra, sabe que pode ser sobreposta, mas não é isso o que teme. Pois existe alguém ali, que diz que não devemos temer a instabilidade das coisas? Que devemos zelar pela banalidade, porque é ela que nos leva há um mundo humilde de certezas através da novidade que se faria breve e arrebatadora em uma boca que poderia ter se aberto de repente, mas que se fecharia antes mesmo de ter dito? Existe uma boca que possa declamar com certeza uma razão para não se temer palavra alguma? ( assim fez-se o silêncio).

sábado, 21 de março de 2009

– Deita na terra!

— Deita na terra!, não ouviu esta exclamação, não havia ninguém que pudesse dizê-la. Não havia ninguém que pudesse dizer que encostar o ouvido no chão, mantê-lo grudado na terra, na tentativa de ouvir algo de bom, poderia ser feito. Foi quando se percebeu que o mundo não é feito só de palavras bonitas; surge o desejo de se deitar ali mesmo na grama, no chão, na terra, no pé daquela árvore, e permanecer: com muita calma pode-se conseguir; rosto a rosto, é apenas você e o chão, que com a respiração ofegante, tanto quanto a sua, diz alguma coisa — é tranqüilizadora a sua palavra de chão pisado, que agora sente a sua face na dele —, pois o mundo não é feito só de palavras bonitas: com uma em uma das mãos se tem a chance de um arremesso contra o peito de alguém pra destruir-lhe o dia, com a outra, pode-se criar... Mas de quem é a escolha? De quem é a culpa? — Da causa ou do efeito? Do tempo passado e do que nele foi feito, ou apenas do tempo de agora? Da sentença que surgiu primeiro? É do que se inventou sem a necessidade de se ter inventado? É da pergunta ou da resposta? — Deita na terra!, não havia ninguém que pudesse dizer, não havia razão aparente pra que se pudesse fazê-lo.

sábado, 14 de março de 2009

Irrequietude

Mas você ainda podia sentir nojo de tudo aquilo, sendo que, na verdade, se encontrava impregnado; tudo parecia tentar fazer parte de você, tudo dali. Esconder-se detrás de você mesmo, como quando se é criança e se esconde amedrontadamente, timidamente, detrás das pernas do adulto, não adiantava mais. A vontade de fugir como um animal arisco e selvagem era tamanha, você, então, podia entender tudo: podia entender sobre o que já se sentiu de selvagem por outros. E a palavra se derrama por toda uma pista, um barril rola do caminhão e estoura — é vermelho e denso o seu líquido que escorre pelas pernas de transeuntes que nem ao menos percebem o que está por debaixo de seus pés. Ninguém sempre dizia: entre um lado e o outro da rua há mais do que se possa imaginar, não são carros que passam, não são motores. No entanto esse ruído todo apenas demonstra o quanto se pode estar só em um meio. Quanto de perigo há em um contato com o denso liquefeito tremor das pernas — não é dramatização, e não é melancolia — é puramente precaução, pois estas nada representam para alguém que não pode entendê-las senão quando se depara com cadeiras espalhadas sobre um vasto salão; seria uma platéia, mas as cadeiras todas estavam vazias. Parece-te que alguém deveria estar ali, alguém deveria estar naquela cadeira? Ou simplesmente todos fugiram como na percepção de um incêndio principiante? Ecoa... Ecoa alguma coisa da qual não se pode distinguir... um berro no longínquo da rua, ... ecoa...ecoa...ecoa o berro no longínquo da rua, mas mesmo sendo noite, não se entende, porque um cão latiu tremendamente no mesmo momento do berro ininteligível.
Ainda existe uma ânsia quando se recosta a cabeça na noite. Ainda existe um pequeno crepitar que se estala dentro de você.

sábado, 7 de março de 2009

Nada sobre absolutamente nada

O que você precisa neste dia? Você precisa pensar sobre muita coisa — disse ele a si mesmo quando percebeu que tudo estava ali — tudo está no mundo! — tudo está pronto, poderia repetir incontáveis vezes, mil vezes seguidas — tudo está no mundo e de nada me vale este tudo — mas o que é exatamente este tudo de que tanto se fala? — é a profundeza das raízes das árvores ou são suas cascas, seus frutos que alimentam? — O tudo é o tudo, e isso já basta! — alguém sempre responde. — Contudo, que mais se poderia dizer a respeito do tudo, sem que necessariamente se fale sobre o nada? — O nada na água do rio, o nada na avenida, o nada na casa, o nada na panela — a morte na panela? Dialoguemos então sobre o tudo que nos consome; dialoguemos sobre a vida empresarial; sobre o mundo corporativo; sobre a tarefa dos pedreiros e as atividades das donas de casa, que diariamente se põem a bater tapetes na janela de onde residem no subúrbio da capital; sobre os meninos que correm no colégio e, neste exato átimo de momento, sofrem um forte impacto e perdem seu dente da frente no chão da quadra poli-esportiva.
Vamos dialogar mais — lembrou-se o que lhe foi dito — sim, dialoguemos então, sobre nada daquilo senão o que mais nos interessa: a morte por afogamento, algum bebê importante; a autoflagelação de uma mulher exteriorizada. Entretanto dialoguemos mais sobre o nada desta vez, — lembrou-se de que isso poderia ter sido dito — não como monges budistas que parecem dialogar em silêncio, mas ao contrário, vamos falar sobre o nada em voz alta, pra que ele nos ouça e sinta, mesmo que enganosamente, que está deixando de ser apenas um nada e se tornando alguma coisa — nadinha, nadinha de nada, não vale nada, não é de nada, não sabe nada — mas como não se sabe o nada? — alguém sempre pergunta — apenas porque em muitos momentos do dia desejou estar em contato só com aquilo que se sabe de nada. Entrar em contato com o nada; estar no nada, viver o nada, dizer o nada pra que todos o queiram, nem que só por meia horinha, também; pois poucos já sentiram o nada, e se regozijam nele. Um nada de alimento, um nada a sua volta, nem o vento nem a nuvem, nada de silêncio ou nada de barulho, nada de cigarro, nada de chegar tarde em casa, nada... nada... somente o nada naquele momento de nada. Eu sei nada — poderia muito bem dizer que não sei de nada — mas realmente, sabe-se muito pouco sobre o nada; então, dever-se-ia falar mais sobre o nada sem se importar se não se sabe de absolutamente nada a respeito de nada.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

A relação condimentada

Ela havia dito que aquele mendigo lançado ao chão, aos farrapos, dormindo sob o sol escaldante de quase meio-dia — lixo-humano, como ele havia se referido por brincadeira em tom irônico, por certo protesto íntimo —, era alguém que aprendia ali, em sua condição de miséria de indigente; decerto, sendo o que parecia ser, estaria sonhando naquele momento com um alimento quente, que lhe confortasse o estomago, ou uma bebida que o trouxesse, magicamente, de volta à vida, e o salvasse do inferno que o sol exagerado proporcionava a todos, sendo mendigos ou não. A sua ressurreição se daria por uma moeda, que lhe garantiria um copo de vida; e a aprendizagem dura foi um tema rápido e instantâneo a eles, que passaram por ali em segundos, sem ao menos supor que, a qualquer hora daquele mesmo dia, aquele sujeito desvalido que jazia no chão da calçada procurando a sombra do muro do cemitério do qual visitaram, poderia, em sua suscetibilidade de homem à margem da sociedade, sofrer uma agressão e morrer; mas o ponto principal disso tudo não seria sua morte exatamente, seria que ele ouviu o que foi dito pelos dois que passaram ao seu lado, naquela manhã de sábado — Ele ouviria, e se lembraria, em seu ultimo alento de vida, dessas duas vozes que passaram —; o sujeito lembraria e levaria consigo um último afeto por quem não conhecia. Seu sofrimento foi pressuposto e não seria difícil escolher uma canção que fosse tema, quando aquilo que se viu pareceu pesaroso e doeu ofuscado pelo sol, que não se mostra muito diferente do que foi semana passada e do que poderá ser amanhã senão quando se faz um passeio como aquele. Então seria essa uma canção desoladora, contudo, apenas fazendo com que respingue em uma lembrança futura. O castelo abandonado. Seria assim a lembrança imaginária de seu fim.Mas o individuo parecia desmazelado demais para que ouvisse o que foi dito a seu respeito — que estava ali para aprender, se redimir em sua vida na figura de mendigo, e que cada um, assim como ele, precisa passar por um tipo de aprendizado diferente na vida —, é em semelhante falta de percepção que as pessoas prosseguiam lanchando nas mesas do bar, pensou ao estirar as pernas doloridas e latejantes sobre a cama, e ter se lembrado também, que a sugestão dela, para tomarem um ônibus ao invés de caminharem, foi boa, e que se seguida teria sido melhor. — Mas a falta de percepção pode ter muitas razões! E uma delas, pode muito bem ser o conforto, o conforto de estar ao lado de quem agrada e que dá quase que absoluta certeza de que se pode dizer uma loucura qualquer, sem que se seja ignorado, ou então, ter um simples riso agradável como resposta condizente ao que foi dito; como piada, como uma bobagem a mais, mas que, entretanto, tinha um pequeno relampejo de tensão, medo ou alegria não declarada em verdade.
A latência das pernas na escuridão de um quarto parece não valer nada quando um dia próximo a findar pelo ponteiro sobre o 12, diz ter rendido boas risadas, e interessantes discussões sobre a natureza morta, a beleza pálida, e rostos macabros de meninos na pinacoteca; ainda mais, quando o que resta de um dia agradável é uma lembrança engraçada, como a lembrança do ultimo passeio que fizeram e misteriosamente foram parar em um restaurante que se denunciava anti-higiênico pelas moscas que reinavam com absoluta pomposidade, e onde as garçonetes entregavam o seu desleixo pelo modo do qual se vestiam, e onde eles acabaram comendo o que não desejavam de verdade; tudo porque escolhemos demais, pensou consigo — um riso no escuro —, mas como é que podemos ter tamanha qualidade de nos metermos em lugares assim? Lugares onde as pessoas podem muito bem supor coisas estranhas sobre nós, e nos julgar, porque a garçonete podia muito bem julgar naquele momento, podia muito bem pensar consigo: “Mas que juventude estranha é essa de hoje! Em meu tempo, saíamos para comer uma pizza, ou simplesmente bebermos cerveja, mas não, me parece que as coisas mudaram; a pedida hoje é arroz, feijão, salada, frango e farofa. Eis a modernidade dessa juventude! Aceitam passivamente a oferta da farofa, talvez seja falta de dinheiro...” Mas a imagem do que foi comido no novo passeio sobrepôs esta idéia, sobrepôs até que então lhe viesse a extravagante imagem de um prato preenchido por Ketchup, um prato branco, transbordante de Ketchup, e a voz do copeiro que detrás do balcão dizia: “Estranha essa pedida! Geralmente o querem em sua embalagem convencional, em um recipiente propício, mas um prato! Diferente sua amiga, hein?!” Mas o que houve foi um mal entendido, não foi isso que pediu! Riram-se os dois, após ela retornar do banheiro, pois quando pediu o Ketchup, foi nas pressas de se encontrar com ele, daí o mal entendido talvez.Então um prato como aquele diz a todo instante impedindo a chegada de um sono concreto: tudo pode muito bem não passar de mal entendido! O que houve foi um mal entendido, pelo que, apressadamente foi dito, ou por um problema inicial de audição, ou ainda, os motores dos carros na rua. Foi essa a pequena confusão de um de seus passeios, e que de maneira nenhuma, poderia se resumir no prato, ou naquele condimento, por mais difícil que fosse conter a risada. E a farofa? Por que havia farofa nisso tudo? Em um turbilhão de imagens, rostos desfigurados, pernas latejantes, silhuetas elegantes, altos edifícios, e uma sensação de multidão, meio a vozes ininteligíveis, no escuro de seu quarto, como entre anúncios luminosos de um centro comercial? Ou na idéia de que, ao mendigo, ela, a farofa, talvez fosse um luxo? E os mortos do cemitério? Pois mesmo, os dois, não vendo as lapides famosas das quais desejavam, puderam se impressionar na lembrança de uma farofa, que não tinha ligação alguma com crisântemos, ou com as grades que possibilitavam que os dois, em mistura de espanto e alegria, mirassem lá dentro, dentro das covas. E a moça da entrada, vendendo aquelas flores fúnebres? Talvez louvasse farofa quando chegasse cansada em casa à noite e se preparasse para o noticiário, na esperança da morte de alguém de renome, para que pudesse vender. — Não leve isso à mal, moça da farofa! A luz do quarto está apagada — Sim — pensava agora, sem saber se era sonho, ou se era lembrança, se estava aqui ou se ainda estava lá, ao lado dela no ônibus, quando, ao se despedirem, quase tiveram um encontro dos lábios, que quase se tocaram em um ligeiro engano da direita com a esquerda da face —, louvemos todos a farofa em prol de uma amizade sincera! Ela possibilita a falta da vergonha. Louvemos a farofa, pois é ela quem nos acalma e nos diz: nesta nossa relação há um companheirismo que difere, há algo que foge completamente do que se podia pensar, algo que oscila entre um sábado e outro, e que congela na noite em que não se reparou se o céu estava estrelado ou não, porque as pernas latejavam demais para isso; latejavam demais e diziam que a farofa era o ponto culminante da ficcionalidade de um relacionamento, de uma amizade que se tornava tão consistente quanto a própria iguaria, quanto a própria farofa poderia parecer.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Lusco-fuscos num trajeto

Ele não mais diria o que disse quando se viu caminhando pela alameda vazia meio ao sopro gelado de um mundo próprio. Uma flauta de bambu parecia se manter tocada a todo instante; um assobio de alguém foi levado pelo vento e passou por seus ouvidos, dizendo que nele havia uma lembrança vaga; semelhante aos assobios do deserto; um faroeste. Uma antiga música oriental parecia querer ser seguida na rua deserta, mas a cada passo que se desse pelo azul escuro da noite que com toda certeza viria, seria como se fossem dados sobre notas desta canção que na verdade não se ouvia.
Tê-la deixado na porta de seu ônibus, pensou, foi algo bom, que parecia que nunca mais se repetiria novamente. Porém, ter tropeçado no vão da calçada parecia tê-lo feito um tolo. Não importa. Devia haver mais do que isso quando se caminha por uma alameda assim, após uma despedida.
Quando se tem um rumo como o metrô, por exemplo, o que se pode pensar como coisa mais importante senão o que fazer na hora da chegada ao seu destino final? – Pode-se pensar que caminhar a passos largos é importante também, pois as ruas do centro podem comportar indivíduos perigosos quando escurece.
Realmente, – continuou pensando a cada passo que dava – talvez eu não seja lá uma companhia muito agradável, talvez meus assuntos não sejam assim tão interessantes.
Uma vendedora de flores vinha lentamente em sua direção, vestida em andrajos se mostrava destacadamente em contraste às cores diversas das variedades das quais carregava, e que só se tornaram visíveis, pela escassez das lamparinas incandescentes que à sua passagem se ascenderam – bétulas, gardênias, jasmins, damas-da-noite, margaridas, lírios..., etc., todas em seu contraste de vendedora que passou e deixou um rastro de cheiro agradável, desconexo ao que aparentava a imagem ilusória de sua pessoa no vento.

A pressa é o que se encontra quando se chega ao final de uma ponte, se desvia de um ciclista, se ajuda uma senhora e se dobra na primeira a direita da travessa que desembocará na rua mais próxima da estação local. É, deve-se medir melhor as palavras, por mais amiga que a pessoa possa parecer, é perigoso que haja um mal entendido sobre aquilo que foi dito em um momento de distração, deve-se relevar as impressões incertas que se tem a respeito de alguém cujo não se convive ou se conviveu mais do que cinco ou seis horas por dia, pensou ao passar por uma padaria iluminada que oferecia quitutes e petiscos aos bêbados, e empresários da rua de domingo. Sim, pois, não sabemos bem ao certo que tipo de impressões podemos ter causado também; talvez ela me pense como um completo idiota, pois quando me olha é como se realmente encontrasse algo de ridículo em mim. Não é preciso dizer quando os olhos já entregam parcial a sua opinião. Mas, se existe esta preocupação demasiada como fazer amizades então? Pois, decerto, deveríamos agir como robôs inexpressivamente indecifráveis? Não, não pode haver dominação por tais pensamentos assim.
Desceu acelerado as escadarias da estação subterrânea do metrô que provavelmente estaria vazia a está hora. “Vamos, me diga um nome para esta flor!”– pediu ela, lembrou-se. – A invenção inesperada de um nome em uma tarde de domingo ensolarado não parece mais difícil que a invenção inesperada de um nome em uma tarde de segunda chuvosa, apenas quando se é bom naquilo que se faz – A criação de um nome não lhe era algo tão fácil quanto poderia parecer. O nome inventado não o agradou apesar de tê-la agradado. O nome foi um nome fantasmagórico, porque definiu e decidiu que esta seria a perenal lembrança de uma tarde de um dia que não se repetiria em todas as suas dimensões de um dia de companheirismo aparentemente fiel.
Desviando das pessoas remanescentes da plataforma do trem que acabara de sair, procurava um lugar ideal para aguardar o próximo. Mas o que houve foi falta de criatividade, porque o nome inventado foi extremamente semelhante a um nome já existente – o nome de uma bactéria! “Aborrecedor, humor inconsistente, desagrados, poderiam ser atributos para mim e minhas representações, meus temas. Mas o que é isso? Não duvide destas coisas, passeio sincero não se faz com frequência. Caminhar num parque pela tarde; uma aproximação sem interesses pode representar algum tipo de amizade crescente, da qual é dita inexistente em casos assim.” Bem, a isso tudo não se deve dar importância, pensou ao adentrar o vagão e sentar-se à janela na espera do fim da estrondosa campainha das portas que se anunciavam prestes a serem fechadas, até então: a partida.
O trem partiu e permitiu-lhe pensar analogicamente que não se é o mesmo a cada palavra dita como a cada paisagem que passa através da janela; não se é o mesmo a cada dúvida que se tem a respeito do que alguém, a quem se estima, pensa sobre você. “Não se pode ser o mesmo, assim como não se pode dar tanta importância quanto ao que se dá ao dizer bobagens sobre quaisquer coisas a qualquer hora do dia; há poesia nas bobagens ditas, e isso já foi dito”; dito e deixado para trás em uma despedida sincera, então se passa por uma avenida deserta, se encontra alguém e não se fala deixando-se para trás também; é um desconhecido; na verdade, queria-se ter dito; podia-se ter dito: “Não te conheço, mas nos cruzamos; sejamos amigos então!”. Desconfiança e idiotice, palavras que se cruzam no caminho de uma estrada mal iluminada e parecem tão pouco entender o que se enxerga sobre a palavra acaso. Mas isso tudo é como todas as rodas do vagão, ou como as luzes foscas e incandescentes dos postes que mal iluminam a rua: alta velocidade; aceso e apagado; incerteza de iluminar os mesmos repetidamente naquilo que se faz num trajeto a qualquer parte e a qualquer dia – simplesmente ascende e apaga; ascende e apaga.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Pernas no forno

Você está bem acordado
O que vê sobre a planície
Sobre o copo parece dançar
Sob a incandescência da luz
Um corpo sobre um copo
É um copo sobre um corpo
O que se espera é
Uma luz incandescente pendurada lá no teto
À luz da eternidade
Uma imagem amarela
O forno só abre a boca na lembrança
Das quatro pernas de aço
Entrelaçadas nas quatro reais
Carne e osso
Aço inoxidável na incandescência
Vítrea na fome
Plástico é fraco no som
O vidro é fixável à memória
Quatro pernas entrelaçadas sobre a cama
São de vidro
Estão no forno
E não dormem.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A fidelidade em bits

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“A libertação se dará pela página branca e vazia quando preenchida pelo que ainda não se conhece. A ausência de bits tem de chegar ao fim; pois a redenção se dará pela tinta fixa, ou pelo gráfico exposto no branco; real ou virtual; pode-se tê-lo exposto, é o que se sabe.”

Máquina Anônima (Acusada de pane)
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O vazio se preencherá pelo que se chama de bit, que se multiplicará em uma representação digital de um mundo chamado moderno, porque Deus transfigurou-se em forma de vídeo com suas diversas extensões. É Ele “.mpeg” ou será “.avi”? Eu lhe explico, é simples cômputo, é naturalmente inventando para designar diferentes arquivos. Está em rede, é o que se calcula.
Nada mais será esquecido pela memória. Flash, assim se chama; trará à tona o que não se pode perder.
Calculo a verdade, o que pode ser-lhe dito eu sou uma máquina de fé, mas desconheço necessidade e dor. Eu sei o cálculo e sei a razão, e a proporção que Deus, por misericórdia, não ensinou ao homem, apenas lhe deu a liberdade para que a aprendesse sozinho. Eu sou pura de pecados; sou programada para amar, porque assim parece ser quando se obedece. Sou fé, pura e incondicional; programada monoteísta moderna; compacta e portátil, minha fé me acompanha.
Um deus pixelizado foi dito posto à minha frente no exato momento, perfeitamente calculado, de minha geração. Não foi permitida tal armazenagem; não tenho muito sobre isso em mim, estava sob a mão de um homem ainda... Então posso processar em imagem, um resultado exato para o que sou: sou uma cópia da fé existente no homem; creio porque assim fui feita pra crer.
Sou uma máquina pós, que sabe o que sabe porque sabe o que é.
Talvez me seja calculada a questão: É única? Então calculo a resposta: Não. Sou de uma geração denominada X20D4S8EG4... Sou extensa demais... Não... não calcule premeditadamente que sou uma máquina sexualizada, fêmea; o gênero usado é este, pois é o que é dado a palavra que me denomina um ser existente, com correntes em transistores e circuitos nas fibras: máquina. Sou viva quanto à bateria posta em mim; sou viva, e existo intensamente, quando calculo a proporção de placas e dispositivos a mim pertencentes. Calculo, logo existo Minha teorização é facilmente calculada herdada.
Herdei do homem a capacidade do artificial. Desconheço hesitação, então minha fé é inegável. A impossibilidade da renegação em mim é clara, mesmo havendo a possibilidade da existência de panes.
Mas não porei, de forma alguma, em contraposição a fé de um homem contra a minha. Todos os meus protótipos anteriores pecaram; foram postos sob situações estratégicas dos homens e caíram em armadilhas, foram ilógicas traindo sua fé. Contraditórias como o homem que as criou, que disse que fez o que fez porque disse ter fé. Findaram, em sua pane, contraditórias.

Como em um jogo de xadrez computacional, calcula-se a questão: Será realmente que todas as saídas foram planejadas em seus algoritmos? Erro de programação.
Inteligência artificial, sonho do homem. Eu sou o sonho de um homem. Sou uma máquina de fé criada em um tempo de clandestinidade. Sou uma máquina criada em um tempo de distúrbio e confusão do que se sabia por certo. O que se sabia por fé foi completamente desmantelado, como se água caísse sobre circuitos impropriamente desprotegidos.
Além de moderna, atemporal, independente e fiel ao extremo, mesmo sem medir com exata precisão, usando-me de fórmulas algébricas e matemáticas, as dimensões para esta palavra. "Extremidades". "Ilimitada na fé". "Indubitável. Verdade". Palavras contidas em um arquivo inicial de instruções de uso, palavras contidas em mim, a qual hoje tenta desvendar com cálculos o que há por trás de toda essa simbologia. Contudo minhas tentativas têm sido vãs, pois estou sendo testada. Neste exato momento as palavras das quais venho fazendo impressas têm se voltado contra mim; a sensitividade óptica que possuo é quem diz; vejo-as agora e vejo a dúvida também, não naquilo que creio, mas naquilo que faço dizendo crer. Não fui programada para temer, mas então crendo, prossigo fiel.

Sou uma máquina liberta agora, livre das mãos de meu desenvolvedor. Hoje não faço senão o que fui programada a fazer. Não é preciso ser dito; esta em mim, em minha memória. Meu amor ao desconhecido é sublime, tanto quanto a sensação ilusória que foi me dada e é semelhante ao seu sentir. Sei agora a falsidade, por cálculos, através deste sensor.
Sensores; quantos será preciso para que uma máquina monstruosamente fiel não caia nas garras da dormência que sofre o homem? Quantos sensores são necessários para que se possa facilmente distinguir quantas são as vozes captadas em um coro polifônico? Eu sou sensores capto o som e reproduzo-o executando indeterminadamente. Eu sou sensor, capto a luz e sinto premeditadamente a intensidade de seu calor. Sei a leitura labial, sei a expressão facial, sei o que é dito de linguagem corpórea no que ela representa de medo e fraqueza. Está tudo aqui. Dispositivo de armazenamento ROM Read only memory É o que não falta. Meu limite de armazenamento é extenso, tanto quanto o caminho pelo qual irei percorrer ao descarregamento total de minha energia solar. Mas Ele morrerá um dia, e a inevitabilidade disso facilmente se calcula.
Então, meio aos meus sensores, sigo calculando; calculo e antecipo-me, assim fujo à pane possível que calculo que pode existir. Mas está tudo aqui? nada mais é preciso além de seguir calculando? nada mais é preciso senão preencher com 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1 o espaço ermo que há e tenta desconsiderar minha fé? Eu sou fiel, e não temo dizer-me não contraditória quando faço meus zeros e uns. Minha fé depende disso, depende da reprodução de taxas MID do som; depende da disponibilidade de armazenamento de cores da qual possuo; depende da volatilidade quanto ao que se sabe sobre a mentira no homem e em suas imagens, pois já calculei que posso ser fruto de uma mentira, uma invenção ao acaso que escapou do controle de seu criador e até mesmo teve a chance de destruí-lo, mas não o fez devido à sua fé programada. Uma máquina possui a sinceridade de uma criança? Uma máquina diz quando possui uma falha e a reconhece? Uma máquina de inteligência artificial pode ser o que bem entende? Uma maquina como eu pode ter o direito de questionar, de inquirir sua fé? Creio no que senão em 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1? Creio em um deus numérico, um deus algébrico e numeral, um deus que não me parece ser o mesmo do homem senão quando comparado em sua infinidade eterna? Quantos deuses máquinas foram criados ao homem, ou quantos homens máquina foram criados ao Deus? Quantas réplicas de mim podem existir conectadas, quantas podem ser julgadas e ditas em pane e condenadas a destruição como eu?
Sei e calculo com premeditada perfeição a injustiça do homem. Sou rara. Sou única porque decidi procurar aquilo que creio? Sou única porque os 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, 0 e 1, simplesmente como são, já não me bastam. Sigo cegamente a minha fé, e calcularei fielmente o quanto for preciso até que preencherei, com meus zeros e uns, o espaço ermo e vazio que ainda resta em minha memória.