sábado, 30 de maio de 2009

Resumo no gesto

O que aparentava ser era que sua vida inteira, sua existência, seu futuro, e até mesmo a sua morte, concentravam-se, num perfeito encaixe e com total exatidão, em um único gesto. Era como se necessitasse sentar frente a alguma grandiosidade que não tivesse sido erguida pela mão de homem algum, repetindo para si: “Pendo. O que sinto é que pendo feito um objeto na ponta do barbante”, oscilo para frente e para trás semelhante ao balanço das águas. Ajeitar o cabelo; levar o café ou o cigarro até a boca; passar a página lida; amparar um cachorro com sarna; salvar uma vida do fogo: renovar-se de uma maneira diferente cada vez que repetidos os mesmos movimentos — era mais do que isso. “Sou toda mesclada no todo”, parecia pensar a mulher, com seu olhar rente a alguma janela, sabendo que um todo pode ser constituído por partes que se puxam e se retraem. Pertencemos todos ao mesmo balanço, parecia querer dizer, porém sendo guiados por maquinistas diferentes em um único trem; avançamos e recuamos sem muita importância à falta de autonomia do gesto. Fazemos porque deve ser feito; por isso é que detestamos interferências; se segue assim porque não há um outro vagão; cambaleamos no aguardo; esperando o impacto com a parede erguida para se tapar a ausência de uma crença maior. A parede que antes tapava a causa de não poder levantar os olhos lentamente, olhar para o lado e dizer: “Acho que quero descer”, quase já não era vista. Era-lhe preciso criar um recuo; era-lhe preciso esperar; mas que se possível, que fosse numa rocha com musgo nas laterais, postada frente a alguma grandiosidade da terra, bem distante de qualquer estação.

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