sábado, 18 de abril de 2009

Aquele ponto na cama

Sempre que o dia se inicia daquela maneira, é como se o simples ato de se erguer, de endireitar a coluna, de enfrentar o ar do ártico, que paira sobre o quente, que brota de uma profundeza, fosse uma tarefa dificultosa demais — não existe distinção entre a brutalidade e a preguiça; não existe esforço e resistência ao prazer do contato com o mais íntimo de si consigo mesmo, sabendo que suas próprias mãos, poderiam ser tidas como ferramentas de alívio ao frio e ao calor que se sente ali, reconditamente, e que se confundem na submersão, que guarda e protege todo e qualquer tipo de subversão. Não deveria ter pudor de se saber que às claras das cobertas, uma mente poderia ser temida — tudo como um tipo de vontade que se tem e que se teme; que se tem sem que exista a possibilidade de amenizá-la, e isso impossibilita uma ação de manhã, impossibilita um pulo instantâneo e repentino; impossibilita e imobiliza músculos e articulações, fazendo com que se cubra o rosto, se ponha algo macio sobre a cabeça, e que tudo convirja, silenciosamente, em um único ponto: o ponto da fraqueza no homem, o ponto de controle, o ponto que dispara até a ponta dos dedos a vergonha de se saber, de forma consciente, clara, como se a coberta houvesse sido realmente puxada e as cortinas abertas, de sua condição de animal, animal que, instintivamente, arde, treme, sente e deseja.

sábado, 4 de abril de 2009

O silêncio da boca

Seria um esforço muito grande para que suportasse a movimentação interna de todas aquelas coisas; como um ciclo interminável que lhe arrancava e lhe punha, novamente em seu corpo, seus órgãos internos mais importantes. Podia-se sentir, cruelmente, a perda e o ganho de uma respiração: — a vitalidade e o desaparecimento do sistema digestivo; uma pausa prolongada em qualquer palpitação, para em seguida, o seu retorno, até que novamente, a perca, e mais um pouco adiante o ganho — a perda e o ganho; a perda e o ganho; a perda e o ganho... até que não se pudesse mais repetir sentenças internas e aquele mundo findasse pelo tema desagradável de uma conversa entre pessoas desconhecidas; pessoas que falavam a respeito do que mesmo?... Pessoas que logo desapareceriam em sua instabilidade, dando lugar a outras novas, e que até dez minutos atrás eram desconhecidas também, e que em seguida se perderiam encobertas pelo assunto atual que facilmente as consumiria — porque aquelas pessoas todas são tão instáveis! — Estar em um grupo, em uma roda, que diz coisas a respeito das quais não se tem interesse, ou até mesmo não se entende, deveria ser assim: todos falam; todas as bocas da mesa se repetem e se espelham uma nas outras, todos os dentes se mostram reluzentes uns nos outros sob a luz repetitiva, a luz de um interesse auditivo; reflexo nos dentes — uns brancos, outros mais amarelos —, mas todos se escondendo e se mostrando com freqüência, todas se abrindo e se fechando como se quisessem se tocar, enquanto apenas uma se mantém fechada. Não haveria por que motivo se abrisse aquela boca, não se veria dentes que se mostrassem dentro dela — talvez não fossem dentes tão alvos —, mas como saber? Como saber daqueles dentes, formato e espessura? Como saber daquela língua algo que possuísse uma representação tão surpreendente que faria com que todas outras bocas se fechassem ou se abrissem ainda mais? Talvez fosse aquela uma boca temerosa, uma boca que temesse ser tocada, que temesse ter um dedo dentro dela. Uma boca que temesse ser grande demais, mas que no fundo desejasse sentir outra. Uma boca temerosa sabe que é facilmente encoberta por outra, sabe que pode ser sobreposta, mas não é isso o que teme. Pois existe alguém ali, que diz que não devemos temer a instabilidade das coisas? Que devemos zelar pela banalidade, porque é ela que nos leva há um mundo humilde de certezas através da novidade que se faria breve e arrebatadora em uma boca que poderia ter se aberto de repente, mas que se fecharia antes mesmo de ter dito? Existe uma boca que possa declamar com certeza uma razão para não se temer palavra alguma? ( assim fez-se o silêncio).