sábado, 21 de março de 2009

– Deita na terra!

— Deita na terra!, não ouviu esta exclamação, não havia ninguém que pudesse dizê-la. Não havia ninguém que pudesse dizer que encostar o ouvido no chão, mantê-lo grudado na terra, na tentativa de ouvir algo de bom, poderia ser feito. Foi quando se percebeu que o mundo não é feito só de palavras bonitas; surge o desejo de se deitar ali mesmo na grama, no chão, na terra, no pé daquela árvore, e permanecer: com muita calma pode-se conseguir; rosto a rosto, é apenas você e o chão, que com a respiração ofegante, tanto quanto a sua, diz alguma coisa — é tranqüilizadora a sua palavra de chão pisado, que agora sente a sua face na dele —, pois o mundo não é feito só de palavras bonitas: com uma em uma das mãos se tem a chance de um arremesso contra o peito de alguém pra destruir-lhe o dia, com a outra, pode-se criar... Mas de quem é a escolha? De quem é a culpa? — Da causa ou do efeito? Do tempo passado e do que nele foi feito, ou apenas do tempo de agora? Da sentença que surgiu primeiro? É do que se inventou sem a necessidade de se ter inventado? É da pergunta ou da resposta? — Deita na terra!, não havia ninguém que pudesse dizer, não havia razão aparente pra que se pudesse fazê-lo.

sábado, 14 de março de 2009

Irrequietude

Mas você ainda podia sentir nojo de tudo aquilo, sendo que, na verdade, se encontrava impregnado; tudo parecia tentar fazer parte de você, tudo dali. Esconder-se detrás de você mesmo, como quando se é criança e se esconde amedrontadamente, timidamente, detrás das pernas do adulto, não adiantava mais. A vontade de fugir como um animal arisco e selvagem era tamanha, você, então, podia entender tudo: podia entender sobre o que já se sentiu de selvagem por outros. E a palavra se derrama por toda uma pista, um barril rola do caminhão e estoura — é vermelho e denso o seu líquido que escorre pelas pernas de transeuntes que nem ao menos percebem o que está por debaixo de seus pés. Ninguém sempre dizia: entre um lado e o outro da rua há mais do que se possa imaginar, não são carros que passam, não são motores. No entanto esse ruído todo apenas demonstra o quanto se pode estar só em um meio. Quanto de perigo há em um contato com o denso liquefeito tremor das pernas — não é dramatização, e não é melancolia — é puramente precaução, pois estas nada representam para alguém que não pode entendê-las senão quando se depara com cadeiras espalhadas sobre um vasto salão; seria uma platéia, mas as cadeiras todas estavam vazias. Parece-te que alguém deveria estar ali, alguém deveria estar naquela cadeira? Ou simplesmente todos fugiram como na percepção de um incêndio principiante? Ecoa... Ecoa alguma coisa da qual não se pode distinguir... um berro no longínquo da rua, ... ecoa...ecoa...ecoa o berro no longínquo da rua, mas mesmo sendo noite, não se entende, porque um cão latiu tremendamente no mesmo momento do berro ininteligível.
Ainda existe uma ânsia quando se recosta a cabeça na noite. Ainda existe um pequeno crepitar que se estala dentro de você.

sábado, 7 de março de 2009

Nada sobre absolutamente nada

O que você precisa neste dia? Você precisa pensar sobre muita coisa — disse ele a si mesmo quando percebeu que tudo estava ali — tudo está no mundo! — tudo está pronto, poderia repetir incontáveis vezes, mil vezes seguidas — tudo está no mundo e de nada me vale este tudo — mas o que é exatamente este tudo de que tanto se fala? — é a profundeza das raízes das árvores ou são suas cascas, seus frutos que alimentam? — O tudo é o tudo, e isso já basta! — alguém sempre responde. — Contudo, que mais se poderia dizer a respeito do tudo, sem que necessariamente se fale sobre o nada? — O nada na água do rio, o nada na avenida, o nada na casa, o nada na panela — a morte na panela? Dialoguemos então sobre o tudo que nos consome; dialoguemos sobre a vida empresarial; sobre o mundo corporativo; sobre a tarefa dos pedreiros e as atividades das donas de casa, que diariamente se põem a bater tapetes na janela de onde residem no subúrbio da capital; sobre os meninos que correm no colégio e, neste exato átimo de momento, sofrem um forte impacto e perdem seu dente da frente no chão da quadra poli-esportiva.
Vamos dialogar mais — lembrou-se o que lhe foi dito — sim, dialoguemos então, sobre nada daquilo senão o que mais nos interessa: a morte por afogamento, algum bebê importante; a autoflagelação de uma mulher exteriorizada. Entretanto dialoguemos mais sobre o nada desta vez, — lembrou-se de que isso poderia ter sido dito — não como monges budistas que parecem dialogar em silêncio, mas ao contrário, vamos falar sobre o nada em voz alta, pra que ele nos ouça e sinta, mesmo que enganosamente, que está deixando de ser apenas um nada e se tornando alguma coisa — nadinha, nadinha de nada, não vale nada, não é de nada, não sabe nada — mas como não se sabe o nada? — alguém sempre pergunta — apenas porque em muitos momentos do dia desejou estar em contato só com aquilo que se sabe de nada. Entrar em contato com o nada; estar no nada, viver o nada, dizer o nada pra que todos o queiram, nem que só por meia horinha, também; pois poucos já sentiram o nada, e se regozijam nele. Um nada de alimento, um nada a sua volta, nem o vento nem a nuvem, nada de silêncio ou nada de barulho, nada de cigarro, nada de chegar tarde em casa, nada... nada... somente o nada naquele momento de nada. Eu sei nada — poderia muito bem dizer que não sei de nada — mas realmente, sabe-se muito pouco sobre o nada; então, dever-se-ia falar mais sobre o nada sem se importar se não se sabe de absolutamente nada a respeito de nada.